Menino

Menino
Eu te conheço
Não por esta janela aberta no peito
Por onde escorrem rios trovões revoluções
Nem por este hálito com que modelas palavras feras
 
Quando dormimos na barraca naquela noite incendiada de bebedeira e lírios ouvi teu pulso e acompanhei teus sonhos, mas mesmo assim não te conheci
Ainda que teu suor tenha fincado na minha pele com o cheiro de incenso do Nepal

Não te conheci
Quando gargalhamos na lanchonete e empurramos os ácidos com doses gigantescas de milk shake
E demos hambúrgueres para os cães
E penetramos a cidade como se quebrássemos um caleidoscópio
 
Não te conheci pelas roupas que vestis
Pelos teus amigos
Pelos teus discos
Pelos teus livros
Isso tudo pouco diz da profunda coisa que és
 
Talvez nem mesmo saibas
Quem és
 
Menino
Meu menino
Tu és o meu menino
 
Eu te conheço pelos teus olhos
Este espelho que me transporta para alguma região da nação tupi
Onde de certo habitaste em outra encarnação
Pelas tuas unhas que cravaste em meus braços para escorares a queda quando os invasores anunciaram a captura do último do nosso bando

Eu te conheço pela resistência
Trinta anos de resistência que te envelheceram mas que não te envileceram
Cada marca no rosto um chip com gigabytes de informações
E pelo profundo espelho dos teus olhos verdes que invertidos revelam além das aparências o menino que tu és
 
Tu és meu menino
e caminhas  numa estrada solitária onde reverberam hinos e suspendem telas de Bosch
Onde apontas o dedo pela milésima vez para o mesmo traço que até hoje não desvendaste
Criar este jardim elétrico e selvagem foi tua opção
A tua suprema felicidade
A tua suprema fatalidade
O destino de pessoa que sonhou
É a tua pequena grade
 
Todos temos nossas grades
A tua a multidão a minha a solidão
 
Menino
Não compreendes
Que és um menino
Porque és um menino
 
Meu menino

Nenhum comentário: