Domingo sujo

hoje é domingo
quando deus descansou
a pioneira folga

como deuses são incansáveis
a pausa
não foi fadiga
ou cansaço
talvez monotonia
ou enfado

o fato 
é que o povo brasileiro
no domingo descansa 
repete o feito 
original
relaxa
tal como deus que trabalhou seis dias
e no sétimo descansou
e abençoou este dia
o dia do descanso

6 x 1
o trabalho levando
de goleada


domingo é dia
dedicado a família
e a deus
é sacro
segunda a sexta é batente 
trabalho
mundano
humano

domingo é aquele dia
em que a torrada cai no chão
o chuveiro queima
o estômago dói
o vizinho grita
e todos reclamam

melhor alienar-se
esperar a segunda

domingo remete
ao sem sentido da vida
é um engodo

repare
a falta de sentido

viver é mesmo
impreciso

confesso
desgosto 
domingos



Um cerco de nuvens

vestido por dentro
de nuvens neste
intenso
frio interno

camarada tudo cabe
no exíguo espaço
do eu solitário e penso

mil mortos
o passado completo
amores primeiros
póstumos o suficiente
para te-los inteiros

sub existem
frouxos
fractais

onde guardo
o ontem:
caixa de realejo
embornal de couro suado
lata de biscoito
saco de pão

ah como cheiram 
estes cemitérios abertos na memória
por onde pendem 
cabelos e dentes

eu sou = (eu + os meus micróbios)
e não abro mão do sovado castigado e maltratado
sofá da memória
onde me sento
amiúde e lento

de lá me avistam
parabólica inescapável
a cada passo
aqui fora 
o tropeço
o peso desta bagagem que carrego

Dias

 
o dia escorre como um tapete enrolado
o tapete voador que não decola
como o silêncio dos surdos
sons longínquos penas que flutuam
e atravessam o meridiano 
vibram até aqui
e passam direto

um dia branco e quente
amarelo e azul (como vem sendo)
a luz cai como lâmina
espeta pele
deste dia que se arrasta para desenrolar
o tapete empoeirado

êta dia antigo como tantos outros
que não decola
dia pendurado, inerte, imóvel

manso como os brandos santos
pendurados em seus destinos

apenas um dia para envelhecer mais um pouco
para fuder a matemática dos dias que nos faltam
para zoar a estatística e faze-la imperfeita

ou pós perfeita


bebo e fumo para parar o mundo

faze-lo mais lento em seu giro
e inseguro 
tenho talento para perder-me
e arrastar os outros
à beira diária do abismo

preguiça, um dia preguiçoso
em que poucos enfrentam o sol

todos os dias a vizinha
 
em seus ritos
enterra a faca na terra
remédio contra o tédio

não há um só tempo sem o dia

os dias são para sempre

Carnívoros

falamos de negócios
e de como podemos dominar o mundo
um rápido encontro cheio de animus
na despedida
ela chegou com um grupo de turistas
tomou-lhes as mãos
seguiram para o ônibus
nada mais pequeno burguês
do que uma excursão de velhos
no rio de janeiro
eu fiquei ali 
parado sozinho sem saber muito bem onde ir
pensando no inebriante cheiro de casa limpa e café coado
nesta mansidão de boi às vésperas do matadouro
mas segui como um bicho do topo da cadeia alimentar
pronto para abater novas almas
sem previsão ou futuro
sem nenhuma sensualidade

Meu pai em sonhos

no encontro das profundas águas do sonho
enquanto subo a ladeira ensolarada
surge meu pai rua abaixo
em sua elegância mineira
largo tudo e retorno descendo
já não é ele quem me apoia
sou eu seu eixo
sua aparência mente
o corpo cansado e fraco
e um coração já alheio
que pulsa em outras estradas em outras roças
lembra-lo fraco distante do opulento orgulho do filho das gerais
que enfrentou troços e trens
seu corpo preservado na memória parece oco

sinto o peso de sua carne etérea nos degraus quando escorrega
 e firma o passo no meu ombro firme
meu irmão, ao nos ver, segue paralelo entristecido

ele, como eu, sabe

mas é meu sonho, e cumpre a mim apoia-lo
os cavalos malhados surgem pulando animados

saltando sem encanto, as imagens desvanecem

acordo sob o peso do tempo passado
e a solidão dos anos somados
não há alegria que resista
 à ausência
sempre presente
pendurada e pensa

Ephemeride



I

Os colibris voaram
As criaturas da noite tomaram seus postos
Servindo-se do mesmo mel

Sombras cruzam à minha frente
Mesmo invisível
Elas me sentem
Com outro sentido
Me evitam

Ameaça não sou para o frágil
Rufar de asas negras
Embora não os compreenda
Falta-me o temor
Para o respeito
Ou o amor

Minha natureza
Solar
Mal enxerga a
Noite
E suas peles negras
E olhos vermelhos e quentes
A música que canta
Um mundo às avessas
Que me ata
E afasta
Para que o tempo escorra
É que os cabelos caiem

II

Alguém pensa que me ama
Mas nem de leve alcança
A extensão das minhas perdas

Tomo algo na mão
Imediatamente outro me escapa
Uma conta que, desde a origem, subtrai
E que termina em zero sempre

Na roda que gira
Estou preso e o homem lança facas
Que perfilam minha silhueta
À luz da Lua
Puro reflexo 
Seu golpe  perfeito
É só o susto

Trago o corpo marcado
Pelas facas do faquir do circo
E sobrevivo 
Rriscado
Arriscado
Arisco
Risco
Riso
Ri
De
Si

Só rindo mesmo do
Absurdo
Podemos aprender algo inútil
(A Guerra do Paraguai foi uma baita sacanagem)

III

Sessenta anos não são suficientes
Para ficar louco
Mas, decidido, avanço ao precipício
Numa caminhada
Em que o chão que se move sob meus pés atados
A que nenhum Roldini escapou
Máquina que move a paisagem
Bocarra que arre e urra
Pula pula que lança
Catapulta que empurra

Sol empurra a Lua
Voltam os colibris

Vão-se os morcegos

Insista. Desista.

DESISTA

Entardeceu, e as estradas são sempre mais frescas pelas manhãs.
A última torre caiu. Desordem.
Seu melhor amigo comeu o último biscoito da lata.
A loteria entregou seu derradeiro prêmio: não era seu.
Todo homem é dispensável.
Antigamente começa uma história de sua vida.
Todo homem é o outro.
Perdeu playboy.
Não continue. Não marche. Tente a desistência.
Seja o elemento que nega. O negativo. Negue.
Estar, já fode.
Não esteja, pire.
Encontre outra tribo.
Vire-se do avesso. Desista.
É outra, a trip.
Espere por ti. Deixa o outro ir.
O asteróide já atravessou o cinto de segurança e a explosão é iminente.

INSISTA

A água, a gota, a pedra. E etc.
A velocidade da água passou por aqui e arrastou teus cabelos.
Alguém lança uma flecha que, parece, vai dar no alvo.
Bois seguem calmos para o abate.
Olhei os ídolos, metáforas da vida, que nem sempre descem. Metade sobe.
Insista, tem troco.
Aquele carro vai para o mesmo lugar e pode te dar uma carona.
Conheci um sujeito certa vez. Ele fez.
Um abraço solo não é suficiente para um afogamento. Pode-se querer mais.
Quem não chora não espana.
Berre, e eu saberei que você existe.

Sacro solo

De florestas necas nestas montanhas
Só pastos que restam
Revelam nuas topografias
Covas sem cruzes
Por onde pisoteiam bichos mansos
Revelam cones de barro
E cercas sobre o lombo da terra
Espetadas esticadas tensas
Lascas em sua carne tenra
Revelam homens que sobem e descem as montanhas
Os pastos
Em cavalos e mulas que pastam
Nas suas alturas
Nos seus ventos
Onde matas inexistentes
Outrora foram a morada
De índios raposas e pássaros

Hoje é o Ninho
Da Mantiqueira

Este show acaba sempre da mesma maneira

aqui eu de novo eu novo
antecipando o fim do espetáculo
dando spoiller
mais depois
mais oco
bobo mais eco bobo
no exato ponto sem volta
onde só me resta o salto

tributos que não posso pagar
faltam-me meios
leonino ergo o ego
pouco tenho a dar
muito peço

em pandemia
nada digo
silencio
calo
e ainda faltam-me ouvidos

nada quero
além do zen destroçar do tempo
lento ruir da matéria
o estrondo abafado das torres
o rufar do caos

O melhor do pedaço

cada tempo
cada era
cadaverica época
haverá e terá a
própria esfera
os próprios 
atores
hoje as redes
enredam os enredos
o que somos
peixes
pescados
pecados
pedaços
pedraços

A noite dentro de mim


A noite se escondeu dentro de mim
E não a encontro
Ela não deixa rastro

Atrás de um trapo da memória
Quem sabe ela se aloja
Fugidia como rato
Impalpável como sombra

Não a vejo
Mas a sinto
Seu sopro úmido
Esfriando os dias
Suas luvas lilases
Seu toque de veludo
Me tomando pelas mãos
Caminhando ao meu lado
Velada
Por suas aleias
E labirintos

Procuro pela noite
Escondida nos ocos
Nos ecos da infância
Na solidão desta hora inteira
Deste dia

Preciso encontra-la
Olha-la de frente
Por alguma fresta
Com meus olhos verdes
O brilho que resta
De alguma festa

Se permanece oculta
Só cresce
Expande
As estrelas que tombam
O sol que explode
E o breu que se aprofunda

E o silêncio noturno

Não peço ajuda
Embora assustado
A noite me ampara
Seu amor que apavora
Seu hálito que envolve
E basta




Adió Carlo

ADEUS MARX
ANTES NUNCA
DO QUE TARDES

SEM A COMPANHIA
DO PESSOA
ME SINTO LEVE
MEIO A TOA

TIAU CASTENADA
JUNTE TODAS
MINHAS PERDAS

ME DESPEÇO DE SARTRE
COM UM GOSTO ACRE
COVARDE

APAGUEI DA MEMÓRIA
TIREI OS LIVROS
DA ESTANTE

AGORA SOU LIVRE

MAS TENHO POUCO TEMPO

Bola sete na caçapa do fundo

sete pedras caindo nos buracos
eu não consigo me concentrar
eu não consigo ler
eu não consigo escrever

o corpo teme em tempos de quovirus
treme

eu vou rolando assim
caçapa abaixo
descendo a ladeira
lá vem o Bazito descendo a ladeira
rolando e ralando os joelhos
quebrando os dentes de tanto rangerrrr
vontade de morder a vida
a jugular da vida
vãopiro

eu vejo meus heróis envelhecidos
e neles me vejo velho
embora não use pijamas 
ou aqueles chinelinhos macios
qual Caetano
compartilho os cabelos brancos
a pele fina
um medo maior de tudo
principalmente quedas e vento frio de través

gente que chega
gente que vai
altarotatividade
altareatividade

sim, há dias brandos
quando sobe a potência
e tocamos a vida com mãos leves
o ar entra sem esforço
e o bater do sol no corpo é suficiente para amar a vida
e talvez o homem tenha jeito
invada as estrelas
ultrapasse nossas paisagens mínimas
nossos milharais
e espalhe novas roças cheias de pó e luz

Quo Virus

Contumaz
Descumpri dor de ordens
Submeto-medo
Forçado
Ao invisível
           vírus

Preso à rede
Em       risco
Não ar risco

Arrependo-medo a cada hora
Mas não me movo
Fixo-me

Tomás Expresso 2020

filho
alvo
do meu amor
filho
te

desculpe a
confusa
segunda

é que
em fim
de feri a dos
re ga dos
a be bes
e outras
cositas
eu
confuso
com tantas
novidades que me
invadem
fico
ton to
com as
adversidades que nos
abatem

época de transições
intensas
lançam
nos
na
incer
teza

o homem
é regra
conserva

quase heresia
é romper

ciente do que tenho que cumprir
e com meios reduzidos
apavoro
ligo para meu filho
ele, em outra vibe, espana

ok, a segunda segue e eu sobrevivo
colo no escritório com john
estruturamos
estruturar dá um sentido civilizado ao dia
e é o que precisamos
vencer o dia
depois dormir
sair do dia

parece fácil
mas é fissil
fóssil
dificil

ok, aos quase sixty
manter o corpixo
a lucidez e a fé
é para poucos

ok, os momentos felizes
praia deserta em paraty
existem

mas
solidão pega pesado
mesmo acompanhado


o medo, que tá por fora
anda por dentro do meu coração (esta é do belchior)

e
o tempo
trama
ao contrário
fo
de


To
eu to
ex perimetro tando
to dando um 
corre
porque o tempo
escorre

leonino
unico
nino

forte
mas as vezes
fraqueza

loko no
kaos

por favor
please
pro xi pro xi
me se me se me se

sempre mais
de um jeito
ou de
qualquerqualquer
jeito

bom mesmo
contar contigo