Imagine

Foi a Malu quem trouxe a novidade. Havia sido visto perto do Redondo, caminhando meio desorientado para o lado da Praça Roosevelt. Vestia calças e jaqueta jeans, tênis e camiseta branca. Andava rápido como se estivesse sendo perseguido, olhando para um papel que poderia ser um mapa.
O boato já havia chegado até nossa turma, trazido por um artista novaiorquino, que conhecia um músico que tocava com ele. Pareceu absurdo. Porque justamente em São Paulo? Mas a explicação foi convincente: em que outro lugar um cara tão famoso e conhecido poderia passar despercebido?
Estávamos de férias e nosso dia a dia se resumia em nos reunirmos na casa de alguém, onde ouvíamos e tocávamos música, para depois sair e beber cerveja nos bares da cidade. A notícia (sim, já não era mais boato)  caiu como uma bomba capaz de transformar aquele verão no mais inesquecível de nossas vidas.
Cheguei mais cedo do que de costume no Riviera. Olhei cada um dos que estavam pendurados no balcão e pensei como era estranho que somente nós soubéssemos o que estava rolando.
Não demorou e estávamos reunidos. O plano era rodar a cidade e tentar encontrá-lo naquela noite. Talvez fosse nossa única chance. Era provável que, quando descobrisse que sabíamos seu paradeiro, sumisse de vez, indo se esconder sabe-se lá onde...Nos dividimos em três grupos. Eu iria de Fuscão com a Malu e a Lolita procurar no baixo Augusta, enquanto os outros dois se encarregariam do centro e dos jardins. Marcamos de nos reencontrar no Frevinho, a meia noite.
Aquela era minha região preferida da cidade. Ponto de encontro democrático de todas as tribos paulistanas, que circulavam amistosamente entre bares, praças e restaurantes. Paramos o carro e fomos a pé olhar o Ferro's Bar, o Orvietto e o Planetas. Poderia estar escondido entre a turma GLS. Praticamente vazios, foi fácil descobrir que por ali não estava. Perguntei para um garçon amigo se tinha visto alguém diferente, cabelo comprido e liso, alto, óculos redondo, mas ele garantiu que não havia passado ninguém com esta descrição.
Subimos a Augusta e entramos no Gigetto. Não me cansava de olhar aquelas paredes repletas de fotos de peças de teatro, de cartazes, e de encontrar as mesmas pessoas das fotos, em mesas barulhentas, noite adentro, depois dos espetáculos. Uma olhada panorâmica e não identifiquei ninguém com o tipo de nosso procurado. O Plínio esbarrou em mim, com sua surrada bolsa de couro repleta de livros. Aproveitei e perguntei-lhe sobre nosso alvo, afinal ele circulava a noite toda, de bar em bar, arranjando polêmicas e vendendo seus livros. Pensou um pouco, cofiou a barba e não teve dúvida:
- Vi sim. Lá pros lados do Cosmo.
A idéia era passar no Pirandello, mas depois daquela dica, pegamos o Fuscão e fomos direto para lá. Uma roda de chorinho reunia alguns conhecidos. Mais a frente, atrás do balcão, o Cosmo reinava absoluto.
- Passou por aqui agora mesmo, com um sujeito baixo e gordo. Foram embora a pé.
O coração disparou. Então estávamos próximos. Saímos rua acima, já que era improvável que tivessem descido para o centro, reparando em cada pessoa que cruzávamos.
Entramos no Longchamp. Bastou uma rápida olhada para identificar, no fundo, sentado no balcão. Era ele! Pensamos em ir até lá, puxar conversa, pedir autógrafo, mas o péssimo inglês e a timidez nos impediram. Foi suficiente olhá-lo á distância. Abracei a Malu e a Lolita, convencido de que havia acontecido algo muito especial naquele dia, que lembraríamos por toda a vida. Resolvemos esconder nosso achado dos demais. Mentiríamos dizendo que não havia nem sinal dele.
Meses depois, assistindo televisão, fui surpreendido por uma edição extraordinária que dava conta que ele havia sido assassinado, de frente ao portão de seu prédio.

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