Ephemeride



I

Os colibris voaram
As criaturas da noite tomaram seus postos
Servindo-se do mesmo mel

Sombras cruzam à minha frente
Mesmo invisível
Elas me sentem
Com outro sentido
Me evitam

Ameaça não sou para o frágil
Rufar de asas negras
Embora não os compreenda
Falta-me o temor
Para o respeito
Ou o amor

Minha natureza
Solar
Mal enxerga a
Noite
E suas peles negras
E olhos vermelhos e quentes
A música que canta
Um mundo às avessas
Que me ata
E afasta
Para que o tempo escorra
É que os cabelos caiem

II

Alguém pensa que me ama
Mas nem de leve alcança
A extensão das minhas perdas

Tomo algo na mão
Imediatamente outro me escapa
Uma conta que, desde a origem, subtrai
E que termina em zero sempre

Na roda que gira
Estou preso e o homem lança facas
Que perfilam minha silhueta
À luz da Lua
Puro reflexo 
Seu golpe  perfeito
É só o susto

Trago o corpo marcado
Pelas facas do faquir do circo
E sobrevivo 
Rriscado
Arriscado
Arisco
Risco
Riso
Ri
De
Si

Só rindo mesmo do
Absurdo
Podemos aprender algo inútil
(A Guerra do Paraguai foi uma baita sacanagem)

III

Sessenta anos não são suficientes
Para ficar louco
Mas, decidido, avanço ao precipício
Numa caminhada
Em que o chão que se move sob meus pés atados
A que nenhum Roldini escapou
Máquina que move a paisagem
Bocarra que arre e urra
Pula pula que lança
Catapulta que empurra

Sol empurra a Lua
Voltam os colibris

Vão-se os morcegos

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